domingo, 4 de outubro de 2009

O INFERNO CRIOU CORES


Estou no ano 2019. Escrevo relatos de uma cidade cinza. Tudo virou cinza. A tecnologia tomou conta. Perdemos a vontade de imaginar. Cada vez mais está ficando difícil de respirar. Ajude-me com um simples clique que volte o relógio para o horário em que as folhas caiam de acordo com a natureza, não com a brutalidade dos homens que se matam entre si por uma terra pública. A nitroglicerina queima todos de uma vez só. O querosene é comum em nossos corpos. O grito virou baixo comparado ao barulho do silêncio. É tudo tão agitado, tão moderno, tão vazio. Tão morto. É tudo como se você precisasse de mais atenção a cada segundo. Cante para eu dormir. O relógio marca quinze horas da manhã. É uma nova era de se contar o tempo. A translação passa dos 400 dias. As crianças não precisam mais estudar. Não existe escola. Tudo o que precisam saber está na sua frente em cristal líquido. Se vê oficinas de teatro a cada esquina. O teatro é a forma mais natural de representar a vida. Não há nada estranho. Não precisamos duvidar de nada. Assaltantes roubaram milhares de notas de um banco. Tudo bem. Pegue um papel e escreva Vale um turo. A cada banco vazio que vejo, sento e aproveito para a escrita. É melhor quando não se controla as coisas. A forma mais viável para viver é a mais fútil: atue. Feche a porta da igreja. Casamentos não acontecem mais. Ou é muito melhor o padre parar de falar aos quatro ventos Até que a morte os separe. Eu já vejo doença, pobreza e tristeza. Amando ou te respeitando não estão no vocabulário das pessoas sem ética.


Não. Não. Não. Você deve parar de ficar sentado. Isso cansa. Não durma. Caminhe. Ande. Corra. Mais rápido mais rápido mais rápido mais rápido. Faça as coisas ficarem como você imaginou. Nada que você possa cantar é indizível. Nada que você possa saber é desconhecido. Tudo o que você precisa é querer. Quero, mas não posso. Posso, mas não quero. Quero e consigo. Ouça a mesma música três vezes. Repita seu refrão todas as vezes que alguém lhe perguntar alguma coisa. É a única maneira de nos livramos do mundo real para o que é inteiramente nosso. Escrevemos batendo em teclas. Falamos através de uma tela. Onde foram parar os bons costumes?

Disputamos a melhor dança. Disputamos o melhor beijo. Torne-se um arlequim. Você alguma vez colocou uma cartola na sua cabeça? Já seguiu a migração das aves? Pois eu sigo todo dia a marcha orquestral. Não ficamos doente. Nunca. A ciência atualmente já encontrou a cura para todas as doenças que possam vir a existir em nosso planeta. Não encontraram a cura para a mente inconsciente das pessoas. Em camisetas, vejo escrito em língua inglesa Make a sound, Scream! e Stop!You’re a statue of the shame. Viraremos pó. A fumaça violenta dos caminhões nos torna ratos em meio a um esgoto perdido de palavras sujas, atos imundos e sujeira grotesca. Não tenho muito tempo de vida neste inferno.

É tudo tão ridículo e exagerado. Não aguento viver aqui. Esse provavelmente é meu último relato sobre essa geração perturbada. Não conheço ninguém aqui. A tecnologia esconde os verdadeiros rostos. Não sei quem está do outro lado do monitor conversando comigo. Isso torna tudo preto. A tecnologia de 2019 gerou milhões de desempregados. Foram substituídos por máquinas. Protesto pacífico. Isso torna tudo branco. Ao lado da minha casa a poeira de árvores sendo destruídas faz que sonhemos com um mundo em que as árvores estarão presentes em cada esquina. Isso torna tudo verde. Existem presidiários que usam aves para ter telefones, drogas e armas nos presídios. Usam cada vez mais os animais para testes científicos. Porque não usam os presidiários? Os animais devem ser livres como o céu é o mesmo para todos. Isso torna tudo azul. Cada parede da minha casa é de uma cor. Não venero o arco-íris. Ele depende da chuva e do sol para existir. Sua existência é exatamente imprevisível.
Nosso governo? Nem existe. Lembro daqueles jovens que rabiscam e idolatram seu all star azul com uma estrela do lado lutando por um governo justo ou então a anarquia seria o melhor caminho. Soluções democráticas de uma república desgovernada. A moeda atualmente é o turo. Um turo vale cinco reais. Não temos dinheiro para nada. Na verdade nosso dinheiro está na casa do governante da província. Não tem nenhuma razão para viver assim. O planeta Terra é apenas um planeta entre os 17 que o sistema solar tem. Não é possível que apenas o nosso esteja entregue ao descuido. Ninguém me impede de pular a janela. Após escrever isso, pego uma faca, subirei as escadas do primeiro ônibus que me levar ao lugar mais movimentado da cidade e de lá gritarei nomes pejorativos a todos sensacionalistas de boteco e morrerei em minha salvação. Não me chames de Jesus.


Meu nome é Bernardo. Tenho 19 anos. Amanhã é meu aniversário. Todas as pessoas que fazem 20 anos, agora devem passar por uma cirurgia onde um chip é inserido em seu pulso. Mentes suicidas. Não serei seu servo. Não quero virar apenas mais um robô. Quero continuar a ser esse tolo apaixonado pela liberdade antiga. Não consigo viver nesse inferno. Não tenho amigos. Não consigo viver nesse inferno. Não tenho família. Não consigo viver nesse inferno. Não tenho motivação. Entusiasmo. Vida. Eu a tirarei de mim após leres isso. Quando terminares, conte até três. Após isso, fique de luto. Derrame uma lágrima difícil. Uma lágrima de sabão. Ela servirá de reserva para as outras que você tiver. Mas as outras serão ácidas. Vão te matando. Destruindo sua pele. Te transformando em pó. Uma mulher foi espancada pelo marido, uma criança morreu de fome, e um jovem se matou a facadas para ser livre. O arco-íris do inferno vai do mais puro branco até o mais obscuro preto. Clareza e escuridão não andam juntas. Guerrilham, lutam entre si. Uma sempre sairá ferida.

O inferno não é vermelho, criou cores.



Texto: Lucas Borba