sábado, 7 de novembro de 2009

O CÉU NÃO É O PARAÍSO - Parte II


         Meus pés pisavam sobre o tapete da sala quando pensei que o melhor lugar para escutar verdades era no braço do sofá. Coisas de jovem. Bebi um gole do refrigerante. Estava preparado para a derrubada do muro velho, com os tijolos à vista, dentro da minha mente. Minha neta, nunca quis discutir sobre opiniões, cada um com a sua, mas acho que está na hora de você saber que a sua concepção passional de tranquilidade da minha geração não está totalmente correta e clara, disse Matilde. Na época dela existiam fatores ridículos como atualmente. O preconceito que sempre assombrará a humanidade. Na verdade não há diferenças entre as pessoas. Elas podem ser negras, brancas, altas, baixas, gordas ou magras. Existe apenas diferença de oportunidade. Ela sente saudade daquele tempo. Saudade. Ela não sabia me dizer o que é. Sentimento confuso. Quero, mas estou suavemente triste e pretendo ter de volta ou possuir.

         Rock clássico dos tremendões com jaqueta de couro cantando All You need is love não é apenas a única influência do meu tempo para o atual. Eu vi revoluções aos 18, guerras aos 30 e matança aos 45. Mas as batalhas mais árduas eu vejo hoje. Elas são de uma persistência infernal. Michele, não ache aquele o melhor dos tempos. Glorioso foi quando inventaram telefone que servia para ligar. Hoje inventam armas muito mais letais, e estão há dois passos de nós.

 ( continua )

Tudo é normal visto por um louco - Parte I

               Estava tudo normal. Minha escrivaninha lotada de livros, eu com fome, cheia de temas e a manhã ensolarada e embalada pelos leves cantos dos pássaros foi embora há um bom tempo. Meu tema de biologia (horrível) sobre a pesquisa das cinco partes da prófase da meiose reducional fora feito noite passada. Precisava agora terminar o de química sobre óxidos. Muita coisa para minha cabeça. Precisava descansar um pouco. Talvez o verbo certo mesmo é desligar. Acho que um jeito descontraído de se desligar está bem próximo de você. Um computador tem várias funções mesmo. Digitei meu endereço de e-mail para entrar no MSN (eutenhobicicletaverde@hotmail.com) e minha senha idiota e super secreta depois (abacateverde). Estava com 164 amigos. Tinha alguns online, uns 90. De certa forma, entrar no MSN me lembrou que devia trocar minha foto. Faz um mês que estou com a mesma e já enjoei. Eu deitada na grama com uma camiseta do Mickey, óculos amarelo e copo do McDonald’s achei mais ajeitada que a outra (parecia uma retardada com aquele vestido bem verão e um all star amarelo no shopping). Enquanto pensava em trocar minha foto, o orkut abriu. Fico apavorada com a maneira que as pessoas falam com as outras. Vi o orkut de uma guria chamada Bianca. Ela tem uns dez depoimentos dizendo que a amam. Eu te amo virou a forma mais adequada de dizer olá? Vi o perfil de um tal de Rogério. No perfil ele diz que odeia os emos, e que nunca irá adiconar um. Eu aposto que ele deve se achar o máximo, ser funkeiro ou pagodeiro, e ainda por cima correr atrás de várias garotas que vão a festas com um vestido mostrando a calcinha e chegam em casa com a cara de santinha. Eu sinto um nojo disso. Hoje em dia quem não falar de putaria, sexo e violência é rotulado de emo. Cara, o amor é o que move o Mundo. Alguém me responde o que custa promovê-lo? Nenhum recado novo na minha página de recados, a não ser o de uma menina de São Paulo fanática pela banda Tapete Voador pedindo para eu participar da comunidade. Apaguei logo o recado e decidi sair do orkut. Talvez óxidos fosse a saída perfeita para a distração. Uma janela laranja piscou na barra azul inferior da tela. Era uma super amiga minha me perguntando o que ela podia fazer para esclarecer a cabeça dela sobre seus sentimentos. Falei algumas coisas motivadoras, mas nem um pouco produtivas. Abri a janela do meu melhor amigo: Alexandre. Eu o acho o máximo, não é como os outros guris (mas não é gay, namora a Beth, outra amigona minha). Eu o parabenizei sobre suas atitudes com a Beth. Ela tem muitos outros amigos, e não tem problema com isso. Ela ama o Xande. Se eu fosse ele, eu acho que morreria de ciúmes. Ele me diz que acima de tudo está o respeito. Como ele iria proibir as amizades dela? Estava começando a esquecer os fatos do orkut, e começando a me animar um pouco. Mas não durou por muito tempo. Na verdade não durou por cinco minutos. Três janelas abriram juntas. Eram meus colegas. Um era pichador e precisava de 12,6 em biologia, outro era um relaxado, mas até que era capaz de alguma coisa, e a outra era uma guria tapada que acho que foi a primeira vez que falou comigo no ano inteiro. As perguntas dos três foram bem parecidas. E me deixaram irritada ao extremo (mais que as provas de matemática sobre função exponencial). Deixei eles todos esperando minha resposta que viria em tom de fúria nos próximos segundos. Pensei melhor e não respondi. Fui à cozinha pegar um copo de Coca Cola e voltei. Estava mais calma. Mas nada me tirava a raiva de estar sendo atingida por uma bomba de perguntas daquele tipo. As pessoas não usam o bom senso? Qual o problema delas? Isso estava me irritando e me forçou a me colocar como Ocupado. Talvez as pessoas tivessem vergonha na cara e parassem de fazer o que estavam fazendo. Simplesmente queria falar com meus amigos, não com colegas desconhecidos que me acham com cara de idiota para responder aquilo.

( continua )