segunda-feira, 5 de outubro de 2009



" Desmond tem um carrinho de mão no supermercado
 e Molly é cantora em uma banda. "

domingo, 4 de outubro de 2009

O CÉU NÃO É O PARAÍSO - Parte I



Fui à cozinha beber água. Era aniversário da minha avó Matilde. Coloquei uns quatro pastéis no prato para levar ao meu quarto e voltar às minhas maravilhas tecnológicas. Na minha habitual corrida dos 100 metros com obstáculos minha avó me chama para sentar com ela – e toda minha família – no sofá da sala. Eu nunca escondi dela meu fascínio pela época de ouro em que viveu. Meus maiores ídolos são daquela época. Não vivi aquela geração magnífica em que o barulho do silêncio se misturava aos silenciosos gritos em cartazes ineficazes contra o governo. Meu nome é Michele. Odeio meu nome como a maioria dos adolescentes. Minha mãe deixou minha avó escolher meu nome. Escolheu Michele por causa de uma música dos Beatles; aquela era uma das raras que eu não gostava deles. Sua voz fina se misturava ao suposto orgulho de ter vivido em uma época dourada da humanidade. Vi uma lágrima doce cair de seus olhos ao começar a me dizer que o pensava não era verdade.

( continua )

O INFERNO CRIOU CORES


Estou no ano 2019. Escrevo relatos de uma cidade cinza. Tudo virou cinza. A tecnologia tomou conta. Perdemos a vontade de imaginar. Cada vez mais está ficando difícil de respirar. Ajude-me com um simples clique que volte o relógio para o horário em que as folhas caiam de acordo com a natureza, não com a brutalidade dos homens que se matam entre si por uma terra pública. A nitroglicerina queima todos de uma vez só. O querosene é comum em nossos corpos. O grito virou baixo comparado ao barulho do silêncio. É tudo tão agitado, tão moderno, tão vazio. Tão morto. É tudo como se você precisasse de mais atenção a cada segundo. Cante para eu dormir. O relógio marca quinze horas da manhã. É uma nova era de se contar o tempo. A translação passa dos 400 dias. As crianças não precisam mais estudar. Não existe escola. Tudo o que precisam saber está na sua frente em cristal líquido. Se vê oficinas de teatro a cada esquina. O teatro é a forma mais natural de representar a vida. Não há nada estranho. Não precisamos duvidar de nada. Assaltantes roubaram milhares de notas de um banco. Tudo bem. Pegue um papel e escreva Vale um turo. A cada banco vazio que vejo, sento e aproveito para a escrita. É melhor quando não se controla as coisas. A forma mais viável para viver é a mais fútil: atue. Feche a porta da igreja. Casamentos não acontecem mais. Ou é muito melhor o padre parar de falar aos quatro ventos Até que a morte os separe. Eu já vejo doença, pobreza e tristeza. Amando ou te respeitando não estão no vocabulário das pessoas sem ética.


Não. Não. Não. Você deve parar de ficar sentado. Isso cansa. Não durma. Caminhe. Ande. Corra. Mais rápido mais rápido mais rápido mais rápido. Faça as coisas ficarem como você imaginou. Nada que você possa cantar é indizível. Nada que você possa saber é desconhecido. Tudo o que você precisa é querer. Quero, mas não posso. Posso, mas não quero. Quero e consigo. Ouça a mesma música três vezes. Repita seu refrão todas as vezes que alguém lhe perguntar alguma coisa. É a única maneira de nos livramos do mundo real para o que é inteiramente nosso. Escrevemos batendo em teclas. Falamos através de uma tela. Onde foram parar os bons costumes?

Disputamos a melhor dança. Disputamos o melhor beijo. Torne-se um arlequim. Você alguma vez colocou uma cartola na sua cabeça? Já seguiu a migração das aves? Pois eu sigo todo dia a marcha orquestral. Não ficamos doente. Nunca. A ciência atualmente já encontrou a cura para todas as doenças que possam vir a existir em nosso planeta. Não encontraram a cura para a mente inconsciente das pessoas. Em camisetas, vejo escrito em língua inglesa Make a sound, Scream! e Stop!You’re a statue of the shame. Viraremos pó. A fumaça violenta dos caminhões nos torna ratos em meio a um esgoto perdido de palavras sujas, atos imundos e sujeira grotesca. Não tenho muito tempo de vida neste inferno.

É tudo tão ridículo e exagerado. Não aguento viver aqui. Esse provavelmente é meu último relato sobre essa geração perturbada. Não conheço ninguém aqui. A tecnologia esconde os verdadeiros rostos. Não sei quem está do outro lado do monitor conversando comigo. Isso torna tudo preto. A tecnologia de 2019 gerou milhões de desempregados. Foram substituídos por máquinas. Protesto pacífico. Isso torna tudo branco. Ao lado da minha casa a poeira de árvores sendo destruídas faz que sonhemos com um mundo em que as árvores estarão presentes em cada esquina. Isso torna tudo verde. Existem presidiários que usam aves para ter telefones, drogas e armas nos presídios. Usam cada vez mais os animais para testes científicos. Porque não usam os presidiários? Os animais devem ser livres como o céu é o mesmo para todos. Isso torna tudo azul. Cada parede da minha casa é de uma cor. Não venero o arco-íris. Ele depende da chuva e do sol para existir. Sua existência é exatamente imprevisível.
Nosso governo? Nem existe. Lembro daqueles jovens que rabiscam e idolatram seu all star azul com uma estrela do lado lutando por um governo justo ou então a anarquia seria o melhor caminho. Soluções democráticas de uma república desgovernada. A moeda atualmente é o turo. Um turo vale cinco reais. Não temos dinheiro para nada. Na verdade nosso dinheiro está na casa do governante da província. Não tem nenhuma razão para viver assim. O planeta Terra é apenas um planeta entre os 17 que o sistema solar tem. Não é possível que apenas o nosso esteja entregue ao descuido. Ninguém me impede de pular a janela. Após escrever isso, pego uma faca, subirei as escadas do primeiro ônibus que me levar ao lugar mais movimentado da cidade e de lá gritarei nomes pejorativos a todos sensacionalistas de boteco e morrerei em minha salvação. Não me chames de Jesus.


Meu nome é Bernardo. Tenho 19 anos. Amanhã é meu aniversário. Todas as pessoas que fazem 20 anos, agora devem passar por uma cirurgia onde um chip é inserido em seu pulso. Mentes suicidas. Não serei seu servo. Não quero virar apenas mais um robô. Quero continuar a ser esse tolo apaixonado pela liberdade antiga. Não consigo viver nesse inferno. Não tenho amigos. Não consigo viver nesse inferno. Não tenho família. Não consigo viver nesse inferno. Não tenho motivação. Entusiasmo. Vida. Eu a tirarei de mim após leres isso. Quando terminares, conte até três. Após isso, fique de luto. Derrame uma lágrima difícil. Uma lágrima de sabão. Ela servirá de reserva para as outras que você tiver. Mas as outras serão ácidas. Vão te matando. Destruindo sua pele. Te transformando em pó. Uma mulher foi espancada pelo marido, uma criança morreu de fome, e um jovem se matou a facadas para ser livre. O arco-íris do inferno vai do mais puro branco até o mais obscuro preto. Clareza e escuridão não andam juntas. Guerrilham, lutam entre si. Uma sempre sairá ferida.

O inferno não é vermelho, criou cores.



Texto: Lucas Borba

A INUTILIDADE DA LOUÇA

Vi através dos teus olhos a preocupação de que nada estava acontecendo bem. Ligue a televisão querida, e olhe desenho animado. Não queira ver enchentes, tragédias e mortes. Nossa vida está no limite. Não suportamos mais nada. A internet caiu! Sim, isso é motivo para nosso desespero total. Ainda queremos mudar o Mundo. Por mais que você não goste de cereja, não pise na grama, não alimente os animais da redenção e já tenha decorado todas as frases do Procurando Nemo, seja alguém que tenha opiniões formadas. Uma cadeira vazia na frente de um grande palco não significa uma pessoa que não foi ver o espetáculo, significa uma pessoa que não irá ter opinião formada sobre aquilo, pois não foi ver. Dê voltas e perceba que sempre chega ao mesmo lugar. A pessoa idiota faz isso. Vamos! Levante! Mesmo lendo isso, levante! É minha intenção te provocar, e garanto que não levantou ainda. Estamos chegando perto da morte, sempre estamos. A cada segundo estamos. Olhe o horário. O segundo que você está vivendo agora não é mais o mesmo que viveu há três atrás, nem o que vai contar. Já disse, estamos nos aproximando do nosso limite e não fizemos nada que gostaríamos.

A INUTILIDADE DA LOUÇA - II

Estamos tão perto do fim da nossa história. E a que mais me fascina contém apenas três palavras. Era uma vez. Simples, pois cada um vai contar a sua. Devo admitir que a mais emocionante seja a do mexilhão feio: Era uma vez um mexilhão feio. Ele era tão feio que todo Mundo morreu. Fim. Nosso limite não é ficar sem casa e ter que dormir no frio, na chuva ou embaixo da ponte sem comida. Tem uma história no fundo da garrafa e você é a caneta. A lâmpada queimou, deixou de iluminar, não presta mais. Não pense. A luz em cima da sua cabeça não vai aparecer. Fique inútil! Torne-se a inutilidade em pessoa, as coisas não estão bem mesmo. Essa música é tão fácil, repita no fim, o que fizer no início. Quando vires o crepúsculo, lembre que os teus segredos servem apenas para os outros, e o Sol contém o segredo mais obscuro de todos. Você pode lutar contra um crepúsculo, não contra um eclipse. Somos tão idiotas que nossos segredos são baseados em coisas dos outros. Seja uma ovelha idiota mesmo que um leão masoquista seja mais perigoso. É melhor quando não se controla as coisas, a não ser que a ovelha frágil queira se tornar um monstro.

A INUTILIDADE DA LOUÇA - III

Vi nos seus olhos que algo não estava bem. Querida, esse é seu limite. Não. Não olhe mais desenho animado. Você nunca vai fazer o que o Pernalonga fez. Vi você chorando depois. Uma lágrima tão doce, uma lágrima tão difícil. Olhe pra trás que eu vejo o que aconteceu contigo. Olho para a árvore congelada e lembro que ela foi uma fiel testemunha do nosso amor. Lua, não desça! Fique aqui iluminando nossa mais bela noite. É tão normal ter sua companhia e ao mesmo tempo tão difícil as pessoas verem seu significado.

A INUTILIDADE DA LOUÇA - IV

As lágrimas da minha donzela me fizeram ir à cozinha. Vi que a máquina de lavar não estava funcionando. Ela tinha chegado ao seu limite. Seu choro de sabão não significou nada mais para mim agora. Todos querem mudar o Mundo, mas ninguém quer ajudar a lavar a louça.


Texto – Lucas Borba